“A Inclusão na vida como nas bibliotecas deve ser pautada pela convivência”, diz o Escritor Emílio Figueira

Entrevista publicada em dezembro de 2021, na Revista Bibliomar é uma publicação de caráter científico do Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Resumo

Entrevista sobre usuários com deficiência em bibliotecas, com o escritor Emílio Figueira. Considerado como um multiprofissional, é psicólogo, teólogo, professor de cursos EaD, palestrante, pós-graduado em Educação Inclusiva, atua como pesquisador-científico em instituições universitárias nas áreas da Educação Inclusiva e Psicologia e Pessoas com Deficiência.

Por Danielle da Silva Pinheiro Wellichan(1)

 Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira ficou com paralisia cerebral em 1969, com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Com cinco graduações e dois doutorados, Emílio Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva, ou psicologia das pessoas com deficiência.

Como escritor é dono de uma variada coleção com obras em livros impressos e digitais, passando de setenta títulos lançados. Atualmente dedica-se a escrever roteiros audiovisuais e ficção. Como romancista e criador do estilo “romance polimático”, Emílio Figueira tem disponibilizado gratuitamente seus folhetins na plataforma Wattpad.

Conheci o Emílio quando trabalhei na biblioteca da universidade na qual ele estudava. Sempre foi aquele usuário-amigo, que a gente adora receber: atencioso, gentil, estudioso. Sempre passava na biblioteca, mesmo que fosse para dizer um oi e todos (TODOS) adoravam encontrar ele ali. Quando ele se formou, fez uma doação enorme para biblioteca. Livros novos e atuais, de diferentes temas, que utilizou durante a faculdade. Queria compartilhar o que foi importante para ele com outras pessoas.

Não foi só ele que acolheu a biblioteca. A biblioteca o acolheu! Se tornou uma parte dali. Não raramente quando os estudantes se formam e vão embora, nós bibliotecários sentimos aquela alegria pela vitória dele, mas também um vazio de saudade, afinal grandes amizades nascem nas bibliotecas. E mesmo depois de sua mudança de cidade, essa amizade nunca se perdeu. Seus textos e livros me mantinham perto de suas ideias, as redes sociais me possibilitaram encontrá-lo novamente e entre um trabalho e outro, conversar sobre um assunto de grande importancia: os usuários com deficiência nas bibliotecas.

Embora seja um tema ainda pouco abordado, estamos buscando mais proximidade e ações estão sendo realizadas nesse sentido na Biblioteconomia. Mas nada como bater um papo para conhecer melhor sobre essa relação. Compartilho então com vocês, pois, não poderia guardar só para mim.

Conte como é a sua relação com as bibliotecas

EMÍLIO: Desde pequeno eu tive uma relação muito íntima com as bibliotecas públicas. Amava frequentá-las, caminhar entre as prateleiras. Na época da escola então, ainda não existia o computador e a internet. A gente precisava ir fazer pesquisas e trabalhos escolares, passar muitas horas sentados copiando trechos de livros, enciclopédias, atlas, enfim. E isso era feito tanto sozinho como em grupo. Minhas frequências às bibliotecas eram tantas e praticamente diárias, uma enorme vontade de estar nesses ambientes mágicos para mim. Eu cultivava naturalmente amizades com os atendentes, os quais já estavam sempre prontos para me atender, auxiliar-me por causa de minha deficiência motora.

Com certeza, essa minha relação desde pequeno com as bibliotecas e os livros foi um dos fatores decisivos à minha carreira de escritor. E tem outro detalhe. Eu sempre ganhei e comprei muitos de livros. De tempos em tempos, eu junto meu acervo, identifico uma biblioteca, pública ou de faculdade, e faço doações. Acredito que o conhecimento deve está à disposição cada vez mais a um número maior de pessoas, não só para mim dentro de meu escritório.

Como você percebe as bibliotecas quanto ao atendimento de pessoas com deficiência na atualidade?

EMÍLIO: Com certeza ao longo dos anos e devido as políticas inclusivas, as bibliotecas foram se modificando, adaptando-se para atender e oferecer facilidades de acesso e acessibilidade para as pessoas com deficiência. Mas nem todas as bibliotecas estão se atentando para isso. Vejo que as bibliotecas públicas, talvez por obrigação de cumprir a lei, estão se adequando muito mais à inclusão do que as particulares. Por exemplo, há uma universidade tradicional e renomada aqui em São Paulo que a consulta ao acervo ainda é feita em antigas fichas datilografadas em máquinas de escrever. Quero dizer com isso, que se ela ainda nem se quer informatizou seu acervo, não tem nem como oferecer pesquisas informatizadas e equipamentos de recursos para qualquer usuário, tenha deficiência ou não.

Só que existem também as questões das bibliotecas públicas de pequenos municípios, de escolas de regiões humildes, de igrejas, de mosteiros, dentre outras, que mal tem recursos para suas sobrevivências. Quanto mais promover adaptações inclusivas, ampliar seus espaços físicos e acervo. É algo que precisamos começar a nos atentar.

Nas bibliotecas, você percebe “barreiras” que possam dificultar o acesso, o uso e a frequência de um usuário com deficiência? Quais seriam elas?

EMÍLIO: As bibliotecas precisam ter equipamentos de Tecnologia Assistiva e pessoas que saibam usá-las para auxiliar os usuários que delas necessitam. Assim como outros serviços específicos para uma pessoa com deficiência. Equipes treinadas em Libras. Entrosamentos, treinamentos, orientações que elimine as dificuldades e promova a comunicação entre a equipe da biblioteca, o que facilitará a comunicação de usuários com ou sem deficiência com a mesma. Ter materiais acessíveis como livros e textos em Braille, por exemplo. Precisamos eliminar muitas das barreiras arquitetônicas, como por exemplo, o espaço pequeno entre as estantes de livros que impedem a circulação de cadeirantes. Catracas na entrada da biblioteca. Oferecer mais serviços digitais das bibliotecas, tanto no local, quanto consultas online ao acervo.

O que você considera mais importante para uma biblioteca que deseja oferecer um ambiente inclusivo?

EMÍLIO: É importante termos equipamentos, capacitação, materiais acessíveis, acessibilidade estrutural, serviços digitais, sinalização. Mas o que vou dizer aqui serve para qualquer biblioteca, seja grande, pequena, tenha adaptações ou não. Ao receber um usuário que tenha alguma deficiência ou outra particularidade, antes de qualquer recurso, pesquise na própria pessoa qual é sua necessidade. Ou seja, estabeleça inicialmente um diálogo aberto e simpático com ela. Ninguém melhor do que o próprio usuário para explicar como ele precisa e quer ser ajudado.

 Um atendimento inclusivo em uma biblioteca, em sua opinião, como deveria ser?

EMÍLIO: Vou repetir o que disse acima. Além de todos os recursos tecnológicos e humanos, conviva de forma descontraída com todos os usuários, com ou sem deficiência. A partir daí, todo o atendimento ocorrerá naturalmente, como sempre foi minha relação com os bibliotecários. Aliás, em todas minhas obras sempre defendi que inclusão é convivência!

 1 - Bibliotecária e Pedagoga Especialista, Mestre em Ciência da Informação (UNESP/Marília) e Doutoranda em Educação, na linha de Educação Especial (UNESP/Marília). Membro do Grupo de Pesquisa DeFSen - Deficiências Físicas e Sensoriais (UNESP/ Marilia) e do GT Acess - Acessibilidade em Bibliotecas - FEBAB. Contato: dany_unesp@yahoo.com.br

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Emílio Figueira

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