Estadão: “O individualismo das novas gerações apaga a luta das pessoas com deficiência”

 


NOTA: Este meu artigo foi publicado no Estadão, 25 de dezembro de 2020, blog Vencer Limites, do jornalista Luiz Alexandre SouzaVentura, pelo qual fico muito grato! O #blogVencerLimites publica até o dia 31 de dezembro uma série de artigos exclusivos, escritos por convidados, sobre as expectativas para o ano de 2021.

A deficiência, no Brasil, foi tratada ao longo de cinco séculos de história, pela perspectiva religiosa, assistencial ou médica, o que não pode ser dissociada dos processos de exclusão social. Por outro lado, se pessoas com deficiência caminharam em silêncio por esse período, segregada em entidades, a partir de 1981, Ano Internacional da Pessoa Deficiente, tomando consciência de si, passaram a se organizar politicamente e a serem notadas na sociedade, atingindo significativas conquistas em mais de 40 anos de militância, com o surgimento de dezenas de entidades criadas e administradas por essas próprias pessoas.

Sem medo ou vergonha de expor suas deficiências, essas pessoas conseguiram ser ouvidas em questões relativas a elas, quando se criaram leis para garantir seus direitos. Uma das representações sociais construída, é que atualmente podem e querem dar sua contribuição em todos os campos deixando de representar um peso para a sociedade e produzindo para o progresso do país. Em lugar da imagem social da piedade nos primeiros anos de luta, hoje a representação social é a do respeito e do reconhecimento, das 46 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil, passando a ter um peso significativo na sociedade.

Presentes em todos os segmentos, essas pessoas deixaram de ser os "coitadinhos" para ser um público consumidor, produtivo e, sabedor de onde realmente quer chegar, exigente de bons serviços. E cada vez mais o contexto social está se vendo obrigado a promover e se adaptar à política da inclusão social para recebê-las.

Mas ainda uma questão me intriga. Ao contrário do Movimento que teve uma forte intensidade no passado, de repente, tenho a impressão de que uma onda de individualismo e interesses particulares tomou conta das novas gerações de pessoas com deficiência, diminuindo bem àquela união passada, hoje existentes só em núcleos isolados, o que acredito que será resolvido pela perspectiva do crescimento do Terceiro Setor.

Há exemplo de outros países, há no Brasil o pleno desenvolvimento do Terceiro Setor, com cidadãos participando de modo espontâneo, em ações que visam ao interesse comum, mas em uma esfera de atuação pública, não estatal, formada a partir de iniciativas voluntárias, sem fins lucrativos, as ONG’s – Organizações Não-Governamentais.

E, entre elas, há muitas voltadas para pessoas com deficiência, ou fundadas por elas mesmas, sendo presididas e administradas por velhos nomes dos Movimentos das três décadas passadas e/ou por novos personagens dessa luta que hoje, certamente, conta com outros desafios como: a) a prestação de serviços para pessoas com deficiência nas diversas áreas de saúde, educação e assistência social;  b) treinamentos e colocações de pessoas com deficiência no mercado de trabalho; c) a pesquisa técnico-científica que possam favorecê-las; d) a defesa de direitos estabelecidos e a constituição de novos direitos e deveres; e) o desenvolvimento de tecnologias alternativas que favoreçam pessoas com deficiência; f) outras atividades consideradas de interesse público e que alcance essas pessoas.

Essas ONG’s podem significar uma nova expressão, um novo reduto para o Movimento atual das pessoas com deficiência. O polo gerador de novas representações sociais. Todavia, não deveríamos perder nossos marcos iniciais, tendo-os sempre como modelo e orgulho de nossa história.

Emílio Figueira, psicólogo, psicanalista e escritor, autor do livro “As Pessoas Com Deficiência Na História Do Brasil – Entre Silêncios e Gritos” (2020)


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Emílio Figueira

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